Artesanato

Do artesanato, o sustento

Em Passira, artesãos aprendem a melhorar

suas artes através de parcerias


O barro está começando a conquistar o

seu espaço no mercado

PASSIRA - Os amantes da cultura popular e do artesanato

de Pernambuco provavelmente conhecem Passira, município

do Agreste do Estado, localizado a 109 quilômetros do Recife.

Ele é sempre lembrada como a cidade do bordado, um dos

artesanatos mais difíceis de confeccionar, devido ao longo

tempo que se leva para fazer uma única peça. A cidade de Passira está iniciando um processo de

mudança na vida dos trabalhadores do artesanato, não apenas as bordadeiras, que já conquistaram

seu espaço no mercado, mas também para uma infinidade de artesãos e produtores da região.

Trata-se de um projeto realizado em parceria com o Banco do Nordeste (BNB), Prefeitura do município

e Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade, com o objetivo de diversificar o trabalho dos artesãos

locais, aumentar suas vendas e diminuir as dificuldades na produção.

“Passira tem um grande potencial com relação ao artesanato, mas é preciso lapidar esse talento da

cidade. A única atividade conhecida pelas pessoas de fora é o bordado, mas há em Passira uma

infinidade de outras coisas para se mostrar. Esse povo só precisa de um apoio”, revelou o agente

de Desenvolvimento do Banco do Nordeste Enivaldo Vieira, que está à frente da iniciativa.

Segundo Vieira, foi feita inicialmente uma identificação desse potencial da cidade, em seguida o BNB

apresentou a proposta aos diversos parceiros, entre eles os próprios artesãos, que são agentes ativos

do processo, e iniciou o trabalho com a participação de todos os envolvidos. “Fizemos um trabalho de

pesquisa antes e descobrimos que Passira produz, além do bordado, atividades em barro, confecção de

mel e cachaça. Percebemos, em nossas andanças, as dificuldades individuais de cada um e, a partir

disso, estamos tentando trabalhar no sentido de minimizar os problemas, elevar a produção e as vendas”,

explicou Vieira.

Entre os conceitos que o projeto está tentando imprimir na cidade destaca o de cooperação entre os

próprios produtores. “Podemos unir os trabalhos e agregar valor ao produto final. Por exemplo, no caso

do bordado, as artesãs podem fazer um acabamento ou embalagens para as garrafas de cachaça,

ou de mel. O barro também pode ser utilizado nessa atividade. É só usar a criatividade. Trabalhando

desta forma, todos ganham com mais qualidade e valor”, acrescentou.

Segundo Vieira, o trabalho com as bordadeiras já está mais avançado do que com os demais artesãos

e produtores. As bordadeiras foram o primeiro grupo a ser identificado e estudado pelos parceiros no

projeto. “As próprias bordadeiras já vinham reivindicando uma ajuda, especialmente financeira. Com

a entrada da Prefeitura na iniciativa, o projeto começou a caminhar mais rapidamente. A parceria entre

os mais diversos atores que compõem a cidade é importantíssima para o sucesso”, analisou. Em um

primeiro momento, através de uma pesquisa com 36 bordadeiras da zona rural, foi observada uma das

grandes dificuldades das artesãs: a impossibilidade de comprar o material em grande quantidade, já que

o custo aumenta. Para solucionar esse problema, o BNB financiou uma média de R$ 2.800 em material para

cada bordadeira. “Isso deu a elas uma independência. Com o crescimento da sua produção, elas vão poder

comprar em grandes quantidades e direto do fabricante dos tecidos e linhas”, ressaltou.

O financiamento do banco também deverá ser estendido para outras áreas do artesanato local, mas ainda

está sendo realizado um estudo para essa segunda etapa. “Queremos inicialmente preparar esses artesãos,

para que eles saibam o que fazer quando receberem o incentivo e que esse investimento não se perca”,

finalizou Vieira.

Bordadeiras driblam dificuldades

Sônia diz que trabalho é árduo, mas é dele que sai a renda 

Depois que o financiamento de matéria-prima para o bordado foi liberado e que a produção foi iniciada,

se observou que outras dificuldades apareceram. Por ser um trabalho lento e manual, há a necessidade

de muita mão-de-obra para que a produção seja grande. Originalmente, o trabalho do bordado era feito

com a cooperação familiar, mas a tradição vem deixando de interessar aos mais jovens que se negam a

aprender o ofício, o que sobrecarrega ainda mais as mulheres mais velhas.

“Eu trabalho bordando desde os meus 16 anos, criei todos os meus filhos assim, mas nenhum deles quis

aprender, acham uma vida muito dura. E é verdade, pelo trabalho que a gente tem, os tecidos bordados

deveriam valer muito mais. Eu levo cerca de três meses para produzir uma colcha e duas fronhas e a média

de preço de um jogo como esse é de R$ 130 a R$ 150. É muito pouco, mas nós não podemos vender mai

s caro, não temos uma grande produção como as bordadeiras da cidade e sempre saímos perdendo”,

desabafou a bordadeira da área rural de Passira, 

Pensando nisso, foi que os parceiros da cidade (BNB, Prefeitura e Sindicato dos Trabalhadores Rurais)

decidiram realizar mais uma investida. Eles deram como alternativa, a diversificação das peças bordadas.

“Um jogo de lençol bordado é muito mais difícil de ser vendido e tem um público restrito, além de levar

tempo para ser concluído. Mas, a produção de trabalhos mais modernos como bolsas e roupas, além de

atrair um maior público, facilita as vendas porque é um produto de mais rotatividade”, destacou Enivaldo Vieira.

O trabalho já começou a mudar os projetos das bordadeiras. Em uma reunião, realizada na semana passada,

Enivaldo Vieira e representantes da Prefeitura e do Sindicato levaram para as bordadeiras um leque de

possibilidades de trabalho. “Queremos que façam mais do que o tradicional. Queremos que elas criem,

inovem, conquistem novo mercado. Essa idéia também vai atrair os interesse dos mais novos em aprender

a fazer bordado e imortalizar esta cultura”, ressaltou Vieira.

Produção em barro é diversificada

Sebastiana, além de panela, aprendeu a fazer boneco 

Nem só de bordado vive Passira. Há nessa cidade um grande celeiro de talentos para o artesanato no

barro, especialmente na zona rural, que também estão recebendo incentivo do projeto do BNB e de seus

parceiros. Em poucos meses, pessoas, que só trabalhavam com o barro para a fabricação de panelas de

pouco valor comercial, estão agora fazendo arte.

Devido às inúmeras dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores do barro de Passira, o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais da cidade, convidaram o BNB para uma visita à comunidade de Tamanduá, cuja

atividade principal é o artesanato de barro, onde 95% da produção é de panelas e apenas 5% de outros

objetos. Na primeira visita foi feita uma reunião com 53 artesãos, sendo 46 mulheres e sete homens,

que falaram de seus problemas no trabalho. Um cento de panelas, por exemplo, (que leva cerca de 45

dias para ficar pronto, incluindo o trabalho de extração da matéria-prima, preparo da liga do barro,

confecção, recolhimento da lenha e a queima) é vendido ao atravessador por uma média de R$120.

“Vimos que eles tinham muita habilidade com o barro e experiência, mas faltava diversificar o trabalho,

para valorizá-lo. Levamos alguns dos artesãos para viagens de experiência em Tracunhaém, conhecida

nacionalmente pelo artesanato do barro. O objetivo era fazer crescer neles o interesse pela

diversificação”, relatou Vieira.

SUSTENTO

A dona Sebastiana Josefa Travaro, 50, desde os oito anos trabalha com barro na fabricação de panelas.

“Aprendi a fazer só de olhar a minha mãe. É um trabalho pesado, mas é assim que me sustento e a minha

família”, lembrou orgulhosa. Sebastiana mora com a irmã, o cunhado e a sobrinha, e boa parte do orçamento

da casa sai das mãos dela.

Ela levanta por volta das 4h, e vai retirar o barro da terra. Depois, com um carro-de-mão, Sebastiana leva

o barro para uma minúscula cabana, onde trabalha. O lugar quase não tem iluminação e nem ventilação.

Sebastiana faz suas panelas sentada no chão, numa posição desconfortável para uma mulher de 50 anos.

Apesar de muito tímida, ela foi uma das artesãs que participou das oficinas oferecida e já está trabalhando

com o que aprendeu. “Fiz alguns bonecos, acho que ficaram bons. Também fiz outras coisas como galinha,

tatu, tudo o que aprendi no curso. É bem mais trabalhoso do que fazer panelas, mas vale a pela”, relatou.

Feira é marco na cidade

Passira está vivendo um momento único do ano, a fase de preparação para o maior evento da cidade,

a Feira de Bordados, que está em sua 20ª edição e se realizará nos próximos dias 24, 25 e 26. Segundo

a Prefeitura, é a segunda maior realização deste tipo em Pernambuco, perdendo apenas para a Fenearte

– evento realizado anualmente no Centro Convenções, em Olinda, onde contempla este tipo de arte. Essa

é a época em que mais se vende bordado na região e por isso a preparação começa cedo.

As bordadeiras que integram o projeto do BNB e seus parceiros, também vão fazer parte desta festa e para

elas vai haver um espaço especial, sem custos para as artesãs. Um pouco mais de 30 bordadeiras vão estar

expondo seu trabalho na feira. “Vai ser muito bom participar da feira”, revelou outra bordadeira da zona rural,

Marli Ferreira da Silva.

O bordado manual é o maior patrimônio cultural de Passira e envolve aproximadamente seis mil pessoas,

a maioria mulheres, o que equivale a um quinto da população do município. A feira é a maior oportunidade

de vendas para esse grupo.

Fonte: Folha de Pernambuco (22/11/2006)
Fotos:Arthur Mota

 


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